19 de outubro de 2004

O Romance

"A história de Ana" tem ganhado uma complexidade tão grande que não sei nem se é o mesmo romance que há tempos desejo escrever. O que era uma narrativa sem pretensões sobre um assunto com o qual eu possuía alguma familiaridade transformou-se num monumento que habita a mente de seu criador, mas ainda não adquiriu forma.
Na verdade, está virando uma indagação a respeito do mal. O que é o Mal? Quais as dimensões de um ato malévolo? Que direito uma pessoa tem de interferir na vida de outra, destruindo suas esperanças, seus sonhos, suas ilusões?
Essa pergunta foi feita por praticamente todos os grandes escritores, porém nunca foi respondida; não se pode saber a medida do incognoscível.

14 de outubro de 2004

As Ondas (sobre uma visão do mar)

No último feriado prolongado, fui à praia. Fazia mais de dois anos que não ia ao litoral, e ver o mar novamente teve um gosto de recordação. Lembrei-me de um longínquo fim de semana junto da minha família, quando eu tinha seis anos de idade, em Santos; de uma semana com meus amigos, em Praia Grande, no final do segundo grau. Essa última foi como um ritual de passagem de uma adolescência ainda presa à infância para uma adolescência que caminhava para a idade adulta. Tratou-se de um rompimento, de uma despedida.
Desta última vez estava de novo com pessoas que amo: minha mãe, meu irmão, minha cunhada, meu sobrinho... Era um Fábio bastante diferente daquele Fábio de 16 anos que chorou ao voltar para São Paulo no verão de 1996. Um homem, acompanhado da pessoa que escolheu para ficar do lado, comprometido com o trabalho, com o amor, com a vida...
E, por quatro dias, apesar da consciência sobre as responsabilidades e as dificuldades, deixei-me entregar ao fluxo da vida, sem me interrogar, sem refletir no que estava acontecendo, vivendo apenas. Isso porque, nos tempos recentes, tenho me questionado bastante a respeito do que tem acontecido comigo, das minhas atitudes, dos caminhos que devo seguir. Parar de pensar tanto e me permitir momentos de tranqülidade foi saudável.
Entreguei-me à visão do mar.
E a vida é como o mar. Sim, os poetas que repetem tal idéia e tornaram-na um clichê jamais deixaram de ter razão. Sim, a vida é tão misteriosa e fascinante quanto o mar. O fascínio não oculta o medo, o mistério se agrega à beleza impávida. Nem todo o conhecimento pode diminuir a paixão, esta que nunca se explica. Duas ondas não são iguais, duas vidas não são iguais.
E, se a vida é temor, fuga, interrupção e trabalho, ela também consiste numa entrega, num abandono, num fluxo o qual nenhum ser humano compreende completamente.