28 de março de 2007

Além de tudo, aqui mesmo

Então, de repente, como quem tateia um facho de luz úmida, posso saber que abrir os olhos fere-me dentro. Se, ao me levantar de minha cama de sonho, angustiado percebo que ando como quem respira, imagino que seria melhor abrir asas sem as ter e voar.
Mas não posso. Do cômodo contíguo, um som agudo e monótono me avisa de que o mundo independe de mim - é impossível adorar. Nem a voz que me incomodava de tanto amor agora me acena. Quem está aqui, além da solidão que me é?
Indago, com lacrimejante lassidão, dos fantasmáticos raios de sol que adentram os minúsculos espaços entre o dentro e o fora... O quê?
Como saber o que virá depois do agora?
Se uma pedra de fogo ultrapassar a fragilidade desta redoma, se um homem sem piedade me desfizer do que sou, se tudo o que é absurdo puder acontecer, que força tenho eu para reagir?
A imensidão é o espaço do desejo... e do medo.
Não me importa o pano, o corpo, o sepulcro ou o além. Eu quereria o beijo, o pão, o riso e a verdade, caso existissem ao tocar o redor.
Subir ao pico do Everest ou descer ao fundo de Mariana... Qualquer lugar, que não aqui. Poder ler mais que viver... Fumar o instante... Beber cada gota do instante... Mas jamais perceber seu fim.
Contudo, abro, cauteloso, a janela, atendo o telefone.

24 de março de 2007

Rascunhos poéticos

Estou participando de uma oficina na Casa das Rosas intitulada "Rascunhos poéticos". Tem sido uma oportunidade como eu jamais tive antes. Encontrar pessoas que talvez creiam na palavra, na arte como semente, na força redentora do plantar palavras.
Desses encontros têm saído algumas "coisas", poemas ou projetos de poemas ou projetos de projetos. Vou postar aqui dois deles.


Idílio outonal

Ornei de mil sonhos as margaridas
do jardim defronte a nós... Nossos braços,
embriagados com as noites idas,
um coração formavam, de olhos baços.

E assim que recruzamos nossas vidas,
o tempo deslizava sem cansaços.
Se as chuvas desaguavam destemidas,
tínhamos um ao outro... e os abraços...

Mas como o vinho acaba e finda a espera,
e a hora, sôfrega, se esgueira e vai,
e a noite, manta tênue, muda, cai,

de cinza colorimos a quimera,
luz pretérita que não ilumina
mais o leito desse amor que termina.


Ré Menor

Não é de mim que falo,
é desse mar de som,
desse infindo céu de sangue
que o vento descobre
no horizonte...

Não é meu esse grito
tímido de violoncelo
na penumbra do arco-íris...
Sentado e só na areia,
teu olhar redime
como o poente em fogo...

Teu riso já não é meu
como a terra que freme
ausente de si mesma...
Almejei teu silêncio
como o cego a não ter medo.

Mas este devaneio que canta
nos espaços do que penso
só traz o vago. E o imenso...


São rascunhos. E toda obra é, no fundo, um rascunho.

9 de março de 2007

Política (W. B. Yeats)

No nosso tempo o destino do homem apresenta seu sentido em termos políticos. (Thomas Mann)

Como posso eu, com aquela garota
Ali a estar,
Na política de Roma ou de Rússia ou de Espanha
Atenção prestar?
Aqui está um homem viajado que sabe
Sobre o que é falado,
E há um político
Que tanto tem lido como pensado,
E talvez seja verdade o que dizem
Da guerra e de seus ameaços,
Mas, ah! ser eu jovem novamente
E prendê-la nos meus braços.

(Tradução minha)

É necessário dizer algo mais???Em tempos de "politicamente correto", o que dizer sobre o papel do homem perante o grupo a que pertence? Eu poderia aqui fazer várias elocubrações, mostrar o quanto de engajamento sou capaz de demonstrar... Mas prefiro ceder a palavra a alguém que viveu os dilemas da política e sabe como pode ser falho qualquer tipo ingênuo de envolvimento.


POLITICS
In our time the destiny of man presents its meaning in political terms." - Thomas Mann


How can I, that girl standing there,
My attention fix
On Roman or on Russian
Or on Spanish politics?
Yet here's a travelled man that knows
What he talks about,
And there's a politician
That has both read and thought,
And maybe what they say is true
Of war and war's alarms,
But O that I were young again
And held her in my arms!
(William Butler Yeats)