28 de julho de 2008

SINESTESIA

Céu azul de anil e laranja
leve, livre e luxuriante
leva o firmamento frouxo
ao fluxo firme de fé em fissuras e feitiços
amaldiçoadas as horas em que me entreguei
ao vôo, ao copo, ao corpo
e na penumbra, sonhos inesperados
tornam-se claros
foge no auge, eu que te afogo em mim
eu, que subi até os estratos mais altos
para, sem véu, sem vácuo, amar-te vadio
sou gaivota, sou gestante, sou gente
gente que grita, gente que chora
gente que canta, gente que ora
que por hora quer ser feliz
na ágora, com todos, agora
eu, entre o que é céu e mar, sou ar
que penetra nos espaços descuidados
bato janelas, arredondo saias, lanço chapéus
com a força de corrente, sou ar corrente
na fimbria do ser
leveza que esbarra
nos móveis da alma
em sorriso de mesa alegria
sirvo o jantar na ampla sala
abro meus braços
e respiro o afeto do universo
do horizonte
deito meu corpo ao lado do teu
deito meu espaço ao lado do teu
leve e lancinante
lascivo
luxuriante
bendita a hora em que descobri
que minha vida seria tua.

Que cores tingem esta noite virgem ?

Binho Santos
Bruno R Furlan
Carlos Savasini
Carmem Sanches
Osvaldo Pastorelli
Rosangela Aliberti
Samara Sieber
Selda Roldan
Vitória Paterna

(19/07/2008)

AURORA

Por Binho Santos
Bruno R Furlan
Carlos Savasini
Carmem Sanches
Osvaldo Pastorelli
Rosangela Aliberti
Samara Sieber

No dilúvio dos copos
sorriem as espumas
nos cantos da mesa
escorrendo desejos
sortidos e esparsos
aquosos e fluidos
vida líquida
amniótica
correnteza
poço sem fundo
liberdade nos verbos
cruzamento de gestos
olhares, cadências

Dolentes, brisas perpassam as letras ...
Lentas, as frases sem verbos timbram
no papel a hora clara ...

Rara, a aurora da alma deslumbra ...
Rubra, a neve colore o vazio e vive
no umbral das campinas ... umbigo !

Canto de minh’alma, ecoa pelas pradarias
voa livre sem barreiras
até que um dia ...
os copos se quebram
nos rochedos
das angústias.

(19/07/2008)

7 de julho de 2008

SAILING TO BYZANTIUM (WILLIAM BUTLER YEATS)

(Yeats é um poeta fundamental. Soube aliar a precisão na utilização do instrumental fornecido pela sua língua a temáticas em princípio obscuras, mas com certeza simples na universalidade que possuem (morte, passagem do tempo, sentimento de instabilidade da existência). O poema a seguir confirma tais idéias. A História do pensamento e da Arte surgem, nesse poema, como uma forma de escapar à finitude do presente e de, portanto, esquivar-se da Morte. Bizâncio figura, aqui, como a Vida que lateja nas ruínas. Mas, mais que isso, Yeats trata aqui de si mesmo, já que a velhice e seus acompanhantes, a decrepitude, a degenerescência, aparecem com freqüência na sua obra. Sailing to Byzantium é, talvez, um testamento do poeta, que enxerga a esperança na retomada consciente e criativa de um passado glorioso, o qual fez do presente um futuro atemporal.)

I
That is no country for old men. The young

In one another's arms, birds in the trees
—Those dying generations — at their song,
The salmon-falls, the mackerel-crowded seas,
Fish, flesh, or fowl, commend all summer long
Whatever is begotten, born, and dies.
Caught in that sensual music all neglect
Monuments of unageing intellect.

II
An aged man is but a paltry thing,
A tattered coat upon a stick, unless
Soul clap its hands and sing, and louder sing
For every tatter in its mortal dress,
Nor is there singing school but studying
Monuments of its own magnificence;
And therefore I have sailed the seas and come
To the holy city of Byzantium.

III
O sages standing in God's holy fire
As in the gold mosaic of a wall,
Come from the holy fire, perne in a gyre,
And be the singing-masters of my soul.
Consume my heart away; sick with desire
And fastened to a dying animalIt knows not what it is;
and gather meInto the artifice of eternity.

IV
Once out of nature I shall never take
My bodily form from any natural thing,
But such a form as Grecian goldsmiths make
Of hammered gold and gold enamelling
To keep a drowsy Emperor awake;
Or set upon a golden bough to sing
To lords and ladies of Byzantium
Of what is past, or passing, or to come. 1927




VIAJANDO PARA BIZÂNCIO
Tradução: Augusto de Campos

I
Aquela não é terra para velhos. Gente
jovem, de braços dados, pássaros nas ramas
— gerações de mortais — cantando alegremente,
salmão no salto, atum no mar, brilho de escamas,
peixe, ave ou carne glorificam ao sol quente
tudo o que nasce e morre, sêmen ou semente.
Ao som da música sensual, o mundo esquece
as obras do intelecto que nunca envelhece.

II
Um homem velho é apenas uma ninharia,
trapos numa bengala à espera do final,
a menos que a alma aplauda, cante e ainda ria
sobre os farrapos do seu hábito mortal;
nem há escola de canto, ali, que não estude
monumentos de sua própria magnitude.
Por isso eu vim, vencendo as ondas e a distância,
em busca da cidade santa de Bizâncio.

III
Ó sábios, junto a Deus, sob o fogo sagrado,
como se num mosaico de ouro a resplender,
vinde do fogo santo, em giro espiralado,
e vos tornai mestres-cantores do meu ser.
Rompei meu coração, que a febre faz doente
e, acorrentado a um mísero animal morrente,
já não sabe o que é; arrancai-me da idade
para o lavor sem fim da longa eternidade.

IV
Livre da natureza não hei de assumir
conformação de coisa alguma natural,
mas a que o ourives grego soube urdir
de ouro forjado e esmalte de ouro em tramas,
para acordar do ócio o sono imperial;
ou cantarei aos nobres de Bizâncio e às damas,
pousado em ramo de ouro, como um pássa-
ro, o que passou e passará e sempre passa.