24 de fevereiro de 2007

Crepúsculo

A hora se espanta de ser a própria hora...
Foz de espiral que gira autofágica
Devora com letras minha alma
Fria de lama e vento e caos...

Escrita de estar na tormenta
Folhas secas no volúpico outono...

Fresco som nenhum de alhures
Ao efêmero dos ouvidos castros
Evapora em mim o sangue que sou
Cruz que há entre as estradas...

Persigo o que desfalece em linhas
Espaços fractais de um sonho de fogo
Queda de idéia até palco...

Enquanto isso, no vácuo espaço
Entre livros e asfalto e perguntas
É a vida como um mendigo...

20 de fevereiro de 2007

Elegia de amor

Nosso último olhar
de amantes
no princípio
da tarde
de chuva.

Estas mãos que tentaram
segurar o meio-dia
e a madrugada
falharam
em roxa ânsia.

O canto
do beija-flor
não ressoa
a esperança.

Perdão.


(Poema dedicado a um amor como um rio intermitente. O amor não finda, apenas paira num limbo que não se pode nominar.)

12 de fevereiro de 2007

O limite da maldade

Rousseau afirmava, na sua filosofia luminosa, que o homem é naturalmente bom, mas passa a ser corrompido pela sociedade. Isso, que na sua época (século XVIII) deve ter sido bastante revolucionário, confrontando-se com a situação estabelecida do Antigo Regime, hoje tornou-se um clichê, daqueles que se repetem à exaustão em discursos sensacionalistas ou falsamente esquerdistas. Se "a propriedade é um roubo", então a solução mais eficaz para restabelecer a paz entre os homens é distribuir os bens de forma igualitária, acabar com a desigualdade social, entre outras saídas possíveis. Simples e brilhante como a água de um manancial...
Se analisarmos tudo objetivamente, é relativamente fácil resolver tais questões. Mas eu me pergunto se, nas condições que encontramos atualmente - um mundo desmesuradamente feito de aparências, de lucros, de quantidades exorbitantes, de desejos tão intensos quanto passageiros -, seria possível realizar uma reforma tão profunda e definitiva. Essa pergunta, um tanto banal e adolescente, origina-se de uma angústia intemporal e refletida: como podemos reformar o mundo, se não somos capazes de mudar o nosso interior? Queremos um mundo melhor, mas o que oferecemos a esse mundo para que ele se torne melhor?
O homem se transformou (ou sempre foi assim?) num "buraco negro". Mais, mais, mais... Uma voracidade pelas coisas, uma incapacidade de perceber o outro, uma insensibilidade em relação ao outro.
Por que dizer isso? Ah - você deve estar pensando -, mais um que vai falar de "vamos lutar por um mundo de paz", "vamos nos dar as mãos" etc. Não, não direi isso. Apenas quero propor que pensemos - isso você pode fazer sozinho.
Um fato: três homens (na falta de um nome mais apropriado) roubam um carro no qual estavam uma mulher e seus filhos (uma menina de 14 anos e um menino de seis anos); elas saem do carro e tentam tirar o menino, mas ele ficou preso ao cinto de segurança do banco de trás; um dos assaltantes toma a direção do automóvel e parte; a criança, cuja mãe não conseguiu retirá-lo do carro, fica preso ao carro em movimento; do lado de fora, percorre uns sete quilômetros da cidade do Rio de Janeiro; as pessoas por quem o carro passa gritam, avisam, mas o motorista não pára.
Um conto de Kafka? Um filme de Hollywood? Uma piada? Não: um fato. A realidade.
Aconteceu mesmo. O único questionamento a se fazer é o seguinte: qual o limite da maldade humana? Pense no pior tipo de perversão, no pior castigo, na pior forma de maltratar uma pessoa. Aposto que você não chegará perto do que aconteceu na semana passada no Rio de Janeiro. "Mas essas pessoas que fizeram isso não eram pessoas..." Ah não, eram o quê? Eram seres humanos, sim. Eu juro.
Estamos chocados, pasmados, mas o que faremos quando o choque passar? Comentaremos de vez em quando, por exemplo num elevador, numa fila de banco, num ponto de ônibus, numa conversa com o amigo pelo telefone, sempre que um assunto faltar diremos: "Nossa, você viu aquilo?" E logo, para não "criar clima", falaremos de alguma celebridade, dos "agitos do BBB", algo assim.
Realmente, nós somos muito bons. Somos solidários, ficamos imaginando a dor da mãe, do pai, mas a cerveja que nos espera na balada também é uma necessidade, afinal somos seres humanos. Somos bons, mas sempre há algo que nos corrompe.
Valete, Fratres!

8 de fevereiro de 2007

Descobertas e Redescobertas...

Nunca costumo citar Manuel Bandeira entre os meus poetas favoritos. Mas aconteceu de, hoje, andando entre os espaços provocadores de uma biblioteca a qual freqüento, deparar com sua "Estrela da vida inteira". A súmula de uma vida dedicada à poesia. A trajetória de um homem que colaborou imensamente para a nossa literatura. Mas por que me distanciei tanto de um poeta que foi um dos primeiros a me cativar, lá nos princípios indefinidos da minha atração pela poesia?
Não sei responder. Talvez por que, conforme fui conhecendo outros poetas, afastei-me aos poucos dos que me trouxeram para esse mundo enigmático. Porém agora, reencontrando-o, percebo que seu valor é tão incomensurável quanto a beleza de sua arte.
Há algo mais profundo do que o mundo que habita em nós? Bandeira se pergunta o tempo todo qual a raiz das coisas, o que é essa vida que ele tanto persegue... Mas não parte para as grandes indagações, não elabora complexos pensamentos de inspiração vária como o ocultismo ou a filosofia... Ele vai ao que está perto, aparentemente tangível. É o cotidiano, o comezinho, o prosaico que lhe interessa. É a vida que pulsa nos intervalos entre o acordar e o dormir, nas lembranças de uma vida que não pode mais ser resgatada a não ser pela arte, no contato com entes que de alguma forma se descobrem no meio desse turbilhão tácito.
Nada pode ser mais poético do que descobrir que a vida está latente naquilo que menos nos chama a atenção... E como dói ter consciência da grandeza e da vacuidade de tudo isso. Estamos destinados ao Nada? Se estamos rumando para o fim absoluto, para a "Morte absoluta", então nos resta apenas - talvez - nos apegar ao que é nosso, nem que esse "nosso" seja diminuto.
No entanto, eu me pergunto com ansiedade: o que é nosso neste mundo? As lembranças? mas elas são fabricadas pela desilusão atual... Os amigos? mas eles estão ocupados demais em viver apenas a aparência de suas próprias vidas. A família? O emprego? Nem mesmo o que escrevo me pertence, pois, se eu mostro isso a alguém, já não é meu.
Se ser é estar, onde estou? Acho que é isso que eu procurei expressar no último poema que escrevi. Não tem ainda um título definido, mas creio que seja um dos melhores trabalhos de toda a minha vida. Fui inspirado pela re-re-releitura de "O cemitério marinho", de Paul Valéry. O poema é um espelho que nos reflete em palavras. Ao me ver refletido, só encontro esta indagação: o que estou fazendo aqui? se é tão bom, por que dura tão pouco? se é tão ruim, por que não terminar tudo? Eh Bandeira... Que dúvida!

3 de fevereiro de 2007

A long, long time...

Já é pública e notória a minha dificuldade em manter um diário. Mesmo o fato de usar o computador quase todo dia não é um fato que facilite o trabalho. Talvez, um dia, eu chegue à conclusão de que sou tão intermitente quanto o que escrevo. Esse é o mal de quem vive a crise literária cotidianamente: tenho talento? não tenho? se tenho, por que não escrevo? se não tenho, por que insisto em escrever?
É aquilo que Clarice Lispector afirmou certa vez: "se eu não escrever, eu morro". Viver e escrever são uma só coisa indefinida e inescrutável. Pesquisar na palavra o sentido, o algo-mais da vida, me faz crescer no pouco espaço que tenho. E, procurando esse espaço, pergunto de mim mesmo a minha linguagem - se isso tem algum significado.
Tenho lido bastante, principalmente poesia: Yeats, Rilke, Pessoa, Eliot, Drummond... Ou seja, os mesmos que sempre admirei. Um domínio do qual não me sinto apto a fugir, até porque não desejo isso. São poetas que me inspiram, que, num sentido clássico, imito. Li "Enquanto agonizo", de outro nome fundamental para mim, Faulkner. Li também "O deserto dos tártaros", de Dino Buzzatti, uma revelação, uma epifania.
Ou seja, estou me redescobrindo como leitor, partindo de onde sempre estive. Pode-se considerar isso uma vitória. Pequena, mas imensa.
"Da contenda do homem com os outros, nasce a retórica. Da contenda do homem consigo mesmo, nasce a poesia" (Yeats).