31 de dezembro de 2005

Feliz Ano Novo, para sempre

Este ano já chega a seu fim. 2005 transcorreu em meio a escândalos, a catástrofes da natureza e da ignorância, ao inesperado e ao não-pensado. Sofremos com nossa própria impotência, com nossa incapacidade de compreender nossa grandeza e nossa pequenez. Fomos surpreendidos pelas ondas gigantes, pelos furacões, pelos terremotos; pelas mentiras, pelas torrentes de dinheiro, pelos contínuos maus-tratos nas filas, nos bancos, nas ruas. O Brasil viveu um momento de desilusão que, com certeza, nos maracrá para sempre. As guerras mundo afora e morros adentro foram constantes e, como grande parte do que o ser humano faz, inexplicáveis. As coisas mudaram e, estranhamente, permanecem iguais.
É claro que não tenho a ingênua pretensão de resumir um ano inteiro em algumas linhas, porém, ao relembrar, talvez se faça necessário um ato de coragem e de esperança: PENSAR.
Não "entender" ou "solucionar", mas "pensar", refletir sobre o ocorrido de modo a se chegar a qualquer maneira de evitar que o erro se repita, que lágrimas sejam derramadas pelos mesmos motivos.
A consciência da existência de um "ser" tão indescritível e fluido como o tempo nos atormenta e nos torna ínfimos. Tudo parece, como um rio, correr para diante, não importa se podemos saber ou não qual será o fim da trajetória. Tudo corre, vai, simplesmente vai. E nós ficamos, parados, à mercê desse ente invisível e incrivelmente solitário na sua onipotência.
E, mesmo conscientes disso, julgamos a nós mesmos superiores, invulneráveis. Por que não percebemos que o tempo que passa como um rio nos dá a chance de nos recuperarmos? Que espécie de inteligência é essa que não nos deixa ver o óbvio? Que somos apenas elementos constitutivos dessa mesma natureza da qual nos consideramos avulsos? O mundo não nos pertence, nós é que pertencemos a ele.
Por que não aproveitarmos essa renovação dos dias para nos renovarmos também? O que nos impede de usarmos nossa criatividade para nos recriarmos? É isso o que somos: uma chance perpétua de renovação. Que cada ano, assim espero, seja uma oportunidade de pensarmos sobre isso

22 de dezembro de 2005

ANIVERSÁRIO

O tempo é um grande enigma. Todos os dias o sol se ergue no céu, aos nossos olhos, sobre nossa cidade, e depois de cumpiri sua jornada, vai iluminar outros recantos do mundo. E tudo parece tão igual, tão costumeiramente igual.
Mas não é. A cada périplo do astro, um pouco de nós se esvai. Cada ida e vinda do sol se torna um pouco de nossa vida que também cumpre, silenciosamente, sua jornada.
E a minha chegou ao fim de mais uma etapa. Completei vinte e seis anos.
26 anos. Dizer isso me soa incrivelmente espantoso, pois não sinto isso. Sei que já vivi tanta coisa, meu Deus, tanta coisa... Mas parece que o tempo não se acumula: ele nos consome e se despede com a desfaçatez de alguém que nos rouba sem que percebamos.
Como é possível? E saber que ainda há tanto desejo a se realizar...

7 de novembro de 2005

Direitos

O ar que nos dá vida é um direito.
A água limpa que banha e rega e nutre é um direito.
É direito o alimento, o proveito,
o prazer do alimento.
O dormir confortavelmente,
O acordar complacente,
O "bom dia" sorridente,
O lar conveniente.
É direito o ter alguém a quem ofertar
Um cumprimento salutar.
É direito numa família
Poder se abrigar.
É direito poder falar tão naturalmente
Quanto o próprio ato de respirar,
Poder rir ou gargalhar em horas indefinidas
E chorar com olhos rubros
No quarto semi-escuro
Ou sob luzes de avenida.
É direito ser um sonho
De si mesmo
Ou de um outro,
Mas mais direito é ser quem se é.
Mais direito é poder desejar
O que o coração vier a desejar.
Mais direito poder
Estar apaixonado
Por quem está ao lado,
Direito ou esquerdo,
Sem julgamento que venha
Do que nem nome tem,
Nem razão - e quem tem o direito
De dar nome ao coração?
O que não cabe em fórmulas
Tem o direito de se manifestar.
Tem? Mas quem determina
O momento ou o lugar
Em quem uma mão toca outra,
Onde começa o amor
Ou onde ele termina?
É direito não ser patologia,
Aberração ou anomalia,
Ou qualquer caso incorrespondente
Aos manuais de psicologia.
Mas - eita coração inquieto! -
As cores, os amores,
A escala de valores,
Tudo isso - alguém responda -
Quem é que determina?

2 de novembro de 2005

Leitor de poesia

Voltei a ler poemas, o que nao faço já faz algum tempo. Com meu trabalho atual, escrevendo material didático de literatura, entrei novamente em contato com obras que havia esquecido ao longo do tempo. Li Marília de Dirceu, Gregório de Matos, os românticos. Sempre é bom escarafunchar nos desertos da memória as sensações que tivemos quando do primeiro contato com o que, então, era novo. Agora, experimento outras sensações, não diferentes, mas complementares às daquelas épocas remotas. E a euforia cede lugar à reflexão.
Por isso, decidi listar aqui alguns dos meus poemas favoritos, aqueles que marcaram a minha alma de modo tão profundo que constantemente (e, por que não, insistentemente) releio, devoro e me estimulam.
Não se trata de um ranking, mas de uma amostragem; são obras, para mim, fundamentais, porém de modo algum as únicas. São os meus guias.

"A segunda vinda" ("The second coming") - William Butler Yeats
"Elegias de Duíno" ("Duineser Elegien") - Rainer Maria Rilke
"Quarta-feira de Cinzas" ("Ash-wednesday") - T. S. Eliot
"O cemitério marinho" ("Le cimetière marin") - Paul Valéry
"Tabacaria" - Fernando Pessoa
"Hora Absurda" - Fernando Pessoa
"Elegia 1938"- Carlos Drummond de Andrade
"A máquina do mundo" - Carlos Drummond de Andrade
"Poema só para Jaime Ovalle"- Manuel Bandeira
"À espera dos bárbaros"- Konstantin Kaváfis

Os poemas aqui citados pertencem ao século XX, mas é claro que há outros que li esparsamente, como Divina Comédia (Dante Alighieri), o qual creio que ainda marcará de modo mais substancial minha formação poética, pois ainda me julgo inapto a captar seu sentido e sua construção profunda. É que, para mim, a leitura de um poema envolve mais meu lado afetivo que meu lado racional, e esse despertar emocional me vale tanto que tenho medo de afastar de mim a emoção para apreciá-los apenas de forma crítica.
A poesia ainda mantém em mim o "leitor ingênuo", no dizer do professor João Alexandre Barbosa, aquele que busca o prazer somente, o deleite, algo de inocentemente orgástico. É diferente de ler um romance, por exemplo, no qual procuro encontrar a inspiração técnica. Ler Yeats e Eliot e Pessoa se distingue muito de ler Faulkner e Clarice, por exemplo. Os prazeres vêm de forma diversa. Mas, de qualquer maneira, são prazeres. Talvez os mais genuínos que consigo ter.

12 de outubro de 2005

Saudade

Talvez a "lenda" que diz que apenas em português existe uma palavra para designar o sentimento "saudade" tenha se desfeito ao longo do tempo. Mesmo porque esse sentimento não pode ser típico de um povo só ou daqueles que têm uma relação histórica com ele (como nós, brasileiros, ex-colonizados pelos portugueses). A saudade é um sentimento humano, acima de tudo. É que cada cultura o percebe e o entende de uma forma, atribui a ele uma importância grande ou ínfima, não sei.
De qualquer forma, trata-se de algo nosso, uma dor, uma angústia. Talvez sintamos saudade porque temos memória, somos capazes de nos lembrar de coisas que fazem parte do passado, de um tempo condenado à não-existência. E como é terrível pensar na vida como algo a não existir mais!
Nesses últimos dias, como tenho ficado mais tempo em casa, ando pensando muito na minha vida como um todo. E me veio uma saudade da infância... Às vezes, olhando para meus alunos (ou me lembrando deles, agora que estou longe deles), vejo o quanto fui feliz, apesar de tantas vicissitudes (da falta de melhores condições, da falta do meu pai). Eu ficava ao lado dos meus amigos, aquele bando enorme de gente, até tarde da noite, correndo, conversando, achando que a vida seria sempre daquele jeito.
O tempo passou, impiedoso, imperceptível como o ato de respirar.
Eu fui obrigado a crescer, todos nós fomos. E só consigo imaginar a vida como um livro sendo escrito... Cada vida é uma história, é uma obra sendo construída a cada segundo impávido que a consome. Como um romance: cada palavra colocada sobre o papel anuncia seu fim.

10 de outubro de 2005

O terremoto de Islamabad


Catástrofes naturais sempre aconteceram, e o homem, diante do que não pode evitar, duvida de sua inteligência e de sua potência. Nós, tão pequenos, tâo incapazes e, ao mesmo tempo, tão ágeis num mundo arisco como um animal selvagem.
Os escombros e as lágrimas proliferam em Islamabad. A destruição daquilo que parecia seguro sob um chão firme e imutável faz soar na nossa mente o som do... que nome dar ao que não nos pertence? Com qual termo podemos, incipientes, definir o indefinível? Faltam palavras, como faltam idéias suficientes para compreender "Deus", "tempo", "acaso". "Destino?"
Há poucas semanas, minha vida estava planejada pelo menos até o final deste ano que caminha para o fim. Então, resolvi algo totalmente diferente. Aonde foram meus planos? Desfizeram-se, para que outros nascessem. E, assim como estes agora estão aqui, dentro de mim, eles podem também tomar outra direção.
Pois, na verdade (caso ela exista), o que nos pertence, ainda que de forma tênue, indecisa, é isso: uma noção ainda vaga, ainda imprecisa, denominada VIDA.

18 de setembro de 2005

De volta a casa

Estou de volta após um longo tempo de ausência. Mas trata-se de algo incipiente ainda. Gostaria muito de ser um escritor contumaz, que tivesse a habilidade de despejar palavras num papel ou numa tela de computador com o descompromisso de uma criança que brinca. Não a possuo.
Para escrever, penso demais, já que a palavra tornada arte prescinde do imediato, do excesso, do temerário. Penso com a vacilação de quem não admite o erro, embora a arte, tal a vida, constitua-se de erro, que vira acerto, mas em princípio é erro.
Talvez escrever seja antes de tudo uma obsessão, uma idéia perseguida, mais que algo realizável. Porém, enquanto minhas dúvidas não encontrarem respostas plausíveis, eu escrevo, numa atitude rodriguiana, clariceana.