11 de maio de 2009

ÁGUA-FORTE (Manuel Bandeira)

(Um exemplo de esmero no trabalho verbal, de concisão que não é gratuidade nem virtuosismo exibicionista. Um Bandeira a que poucos dão atenção; os outros se deixam seduzir por uma certa "facilidade" que é conveniente, para eles, considerar como poesia. Bandeira mostra que não existe poesia "fácil", nem a simplicidade é espontânea.)


O preto no branco,
O pente na pele:
Pássaro espalmado
No céu quase branco.

Em meio do pente,
A concha bivalve
Num mar de escarlata.
Concha, rosa ou tâmara?

No escuro recesso,
As fontes da vida
A sangrar inúteis
Por duas feridas.

Tudo bem oculto
Sob as aparências
Da água-forte simples:
De face, de flanco,
O preto no branco.

TÊNUE

Somos fino e frágil fio
tecido para esta terra
em permanente desvio
trilha que nunca se encerra.

Vemos sem dor o vazio
pois quem ora nunca erra
mas este mundo bravio
nenhuma certeza aferra.

(Como posso pequenino
da sabedoria o cúmulo
alcançar só com as mãos?)

Os iguais não são irmãos.
A nós, mortos, resta o túmulo.
Nós, tão-só fio frágil fino.