21 de abril de 2008

Poema a quatro mãos (Tyta Dutra e Binho Santos)


Numa mesa, num bar


Sentado entre amigos na mesa do bar,

Poesia, música, besteirol, cerveja, fumaça de cigarro,

Uma proposta: poesia a quatro mãos.

Minhas mãos calejadas

De estar sozinho na noite,

Masturbação do pensar,

Escrever com gosto

O rosto que não há.

Poesia erótica pra atiçar

A mente a mão já aquecida a escrever

O corpo já molhado depois do prazer de escrever,

De degustar as coisas boas da vida:

Os amigos, a bebida,

A poesia, a cançao desta vida,

Esquecer, sem piedade, o corre-corre da avenida.

Amar, sem concessões, os desafios

Desta vida...

Mesmo perdidas, as almas

Se reconhecem...

Aqui estamos... aqui estamos...

Aqui estamos... sem saída.

Dois poetas (Gabriela Cuzzuol e Carlos Savasini)


Minha homenagem a dois grandes amigos que, por uma dessas coincidências somente pela Vida conhecidas, são também dois grandes artesãos do Verbo. Minha forma de celebrar essa ocasião: uma dádiva oferecida por algum ser velado, chame-se ele Destino ou Acaso. O que passou, o que passará: o que passa. Mas a Arte, a qual sempre sobrevive a todas as correntezas...


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AGORA

Agora que eras
A sanidade da mente minha;
Clamor que a oração continha;
Ponta de luz revirando o mal;

Eras o bem que em verdade traduzia;
Caminho que a si próprio descobria;
Chance divina do cumprimento cabal;

Eras a ponte entre Deus e minha incerteza;
Salvação da descabia tristeza;
Vida, vontade irracional;

Eras a brisa que o vento trazia;
Taça de sol que o mar oferecia;
Fim de lamento, entorpecer boçal;

Eras o leve que o entardecer previa;
Futuro em que mal não havia;
Afirmação, reinício brutal;

Agora que eras;
E que há eras não és mais;
Agora em que não és;
Há eras;
E agora;
O que és?
Agora?
O que é Agora?


Gabriela Cuzzuol

10 de junho de 2007.


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VIRÁ

A saudade, alimento da vontade
que transborda nos poros do desejo
nos transporta aos pilares da verdade
e conspira na falta que não vejo.

O futuro, artesão do sem idade,
sedimenta o passado em azulejo
em paisagem que vive sem bondade,
o de fato é aquilo que eu almejo.

Ao que foi, ao já era, na lembrança
tudo fica do jeito que a criança
que já foi e que busca o que virá.

Ao passado, por tudo que passou
eu não guardo miçangas, pois eu dou
o meu sangue ao que vem, ao que virá.


Carlos Savasini

09 de março de 2008.

17 de abril de 2008

Em meu ofício ou arte taciturna (Dylan Thomas)


Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.

Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.
(tradução: Ivan Junqueira)

(Um dos poemas mais simples e mais verdadeiros sobre o que é isso, o escrever, um fardo, um ofício, um prazer, um vício.)

3 de abril de 2008

O Sono e a Letra

Por entre as trilhas do inconstantemente
Lavras, fecundas palavras, poeta
As lamas áridas do inconsciente,
Fazes do nada um trabalho de esteta.

Tua visão glauca tornas semente
E mundos constróis de teu ser asceta.
Sabes, porém, a finitude do ente,
Sopro vital que a vida mesma veta.

Dorme, poeta, que teu rosto inerme
Morre na sombra, soçobra na tarde,
Pobre coração que bate mas arde.

Teu canto supera teu fim de verme,
Far-se-á estátua, música da neve,
Poema a tornar o tempo mais leve.