Dois tipos de urubus
I
Sua casa é o que a morte acolhe
no bico feio e sincero de foice,
prende o resto de pavio de vida
queimada sobre escombros de desejos.
Uma vez perguntado, não há
verbo que crie ou cante o seco.
Ele quer o morto claro, carne
sem som sob as sobras do sol.
II
Sua casa é uma rua entre outras,
nas ancas carrega a arma e a dureza
de ave faminta, e prende nas mãos
o orgulho de passar, ser temido.
Uma vez perguntado, ele diz tantos
verbos e, menino, ergue sorrisos.
Sem foice, ele mata, morre, volta a casa
como quem precisa, precisa, precisa viver.
(Foto de Kevin Carter, ganhador do Prêmio Pulitzer em 1994 com este trabalho. O fotógrafo, após um longo tempo de depressão, suicidou-se. Sobre que fim tiveram o urubu e a criança, não temos informações.)