10 de novembro de 2008

O TORSO ARCAICO DE APOLO (Rainer Maria Rilke)

(Um dos poemas mais belos que a humanidade já presenciou, numa versão que, nas palavras de quem entende, recria com igual beleza o original. Aqui, o encontro de dois poetas superiores, como se ambos contemplassem a mesma obra e, desse ver entranhas, chegassem à mesma conclusão: a matéria esconde na sua brutalidade a mão do homem capaz de redescobrir no inanimado a vida que o guia.)

Não sabemos como era a cabeça, que falta,
De pupilas amadurecidas. Porém
O torso arde ainda como um candelabro e tem,
Só que meio apagada, a luz do olhar, que salta

E brilha. Se não fosse assim, a curva rara
Do peito não deslumbraria, nem achar
Caminho poderia um sorriso e baixar
Da anca suave ao centro onde o sexo se alteara.

Não fosse assim, seria essa estátua uma mera
Pedra, um desfigurado mármore, e nem já
Resplandecera mais como pele de fera.

Seus limites não transporia desmedida,
Como uma estrela; pois ali ponto não há
Que não te mire. Força é mudares de vida.

(Tradução de Manuel Bandeira)

3 de novembro de 2008

ELEGIA

(Esse é um dos meus poemas mais antigos. Foi concebido a partir do impacto que causou o poema "Hora absurda", de Fernando Pessoa. Eu fiquei tão encantado com aqueles versos esparsos, queria fazer algo semelhante. E o resultado foi isso. Peço-lhes perdão.)

Hoje chove como um céu que desaba
Sobre campos de flores nascidas há anos!
O céu é um manto sereno que jamais acaba,
Tecido azulado de sentimentos humanos...

Sinto cada dia como um homem perdido que ama
E procura em todos os rostos um rosto especial!
Um cão roçando pernas e postes... Uma chama
Que não queima... Uma brisa no meio de um temporal...

Meu coração pulsa com a ânsia de uma criança,
A fluidez mágica de um anjo e sua espada candente...
O sol se esconde num cobertor espesso de nuvens... Alcança,
Ainda assim meu peito carente, inocente...

E me lembro apenas de ti, que me embalas
Em meus sonhos tristes... Surges, de repente,
Num sorrir cândido, e amas e abres os portais, e calas
Minha boca seca num beijo diáfano e quente...

Tenho medo deste temor que me aquece, enfim...
Saio cabisbaixo através de ruas escuras e infinitas...
E procuro teu rosto distante ao se afastar de mim...
Calo-me no desejo de areias e paisagens mais bonitas...

Meu coração naufraga na alucinação do eterno!
Caminho sem cessar o mesmo caminho de volúpia e dor...
Rejeito-me como o filho ao pai que o abandona ao inverno
De sua vida a se fazer. E a tudo isto se dá o nome de amor...