7 de novembro de 2005

Direitos

O ar que nos dá vida é um direito.
A água limpa que banha e rega e nutre é um direito.
É direito o alimento, o proveito,
o prazer do alimento.
O dormir confortavelmente,
O acordar complacente,
O "bom dia" sorridente,
O lar conveniente.
É direito o ter alguém a quem ofertar
Um cumprimento salutar.
É direito numa família
Poder se abrigar.
É direito poder falar tão naturalmente
Quanto o próprio ato de respirar,
Poder rir ou gargalhar em horas indefinidas
E chorar com olhos rubros
No quarto semi-escuro
Ou sob luzes de avenida.
É direito ser um sonho
De si mesmo
Ou de um outro,
Mas mais direito é ser quem se é.
Mais direito é poder desejar
O que o coração vier a desejar.
Mais direito poder
Estar apaixonado
Por quem está ao lado,
Direito ou esquerdo,
Sem julgamento que venha
Do que nem nome tem,
Nem razão - e quem tem o direito
De dar nome ao coração?
O que não cabe em fórmulas
Tem o direito de se manifestar.
Tem? Mas quem determina
O momento ou o lugar
Em quem uma mão toca outra,
Onde começa o amor
Ou onde ele termina?
É direito não ser patologia,
Aberração ou anomalia,
Ou qualquer caso incorrespondente
Aos manuais de psicologia.
Mas - eita coração inquieto! -
As cores, os amores,
A escala de valores,
Tudo isso - alguém responda -
Quem é que determina?

2 de novembro de 2005

Leitor de poesia

Voltei a ler poemas, o que nao faço já faz algum tempo. Com meu trabalho atual, escrevendo material didático de literatura, entrei novamente em contato com obras que havia esquecido ao longo do tempo. Li Marília de Dirceu, Gregório de Matos, os românticos. Sempre é bom escarafunchar nos desertos da memória as sensações que tivemos quando do primeiro contato com o que, então, era novo. Agora, experimento outras sensações, não diferentes, mas complementares às daquelas épocas remotas. E a euforia cede lugar à reflexão.
Por isso, decidi listar aqui alguns dos meus poemas favoritos, aqueles que marcaram a minha alma de modo tão profundo que constantemente (e, por que não, insistentemente) releio, devoro e me estimulam.
Não se trata de um ranking, mas de uma amostragem; são obras, para mim, fundamentais, porém de modo algum as únicas. São os meus guias.

"A segunda vinda" ("The second coming") - William Butler Yeats
"Elegias de Duíno" ("Duineser Elegien") - Rainer Maria Rilke
"Quarta-feira de Cinzas" ("Ash-wednesday") - T. S. Eliot
"O cemitério marinho" ("Le cimetière marin") - Paul Valéry
"Tabacaria" - Fernando Pessoa
"Hora Absurda" - Fernando Pessoa
"Elegia 1938"- Carlos Drummond de Andrade
"A máquina do mundo" - Carlos Drummond de Andrade
"Poema só para Jaime Ovalle"- Manuel Bandeira
"À espera dos bárbaros"- Konstantin Kaváfis

Os poemas aqui citados pertencem ao século XX, mas é claro que há outros que li esparsamente, como Divina Comédia (Dante Alighieri), o qual creio que ainda marcará de modo mais substancial minha formação poética, pois ainda me julgo inapto a captar seu sentido e sua construção profunda. É que, para mim, a leitura de um poema envolve mais meu lado afetivo que meu lado racional, e esse despertar emocional me vale tanto que tenho medo de afastar de mim a emoção para apreciá-los apenas de forma crítica.
A poesia ainda mantém em mim o "leitor ingênuo", no dizer do professor João Alexandre Barbosa, aquele que busca o prazer somente, o deleite, algo de inocentemente orgástico. É diferente de ler um romance, por exemplo, no qual procuro encontrar a inspiração técnica. Ler Yeats e Eliot e Pessoa se distingue muito de ler Faulkner e Clarice, por exemplo. Os prazeres vêm de forma diversa. Mas, de qualquer maneira, são prazeres. Talvez os mais genuínos que consigo ter.